" A inquietude não deve ser negada, mas remetida para novos horizontes e se tornar nosso próprio horizonte."
Edgar Morin

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Golpe e Intervenção Militar Constitucional

Em países onde vigora o Estado Democrático de Direito, algo como uma “intervenção militar” em que acontece o uso do poder das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) só pode ocorrer sob ordem dos poderes constituídos, isto é, dos conselhos formados por membros do Poder Executivo e do Poder Legislativo e com a devida supervisão do Poder Judiciário. No Brasil, as intervenções militares, segundo a Constituição Brasileira 1988, só podem efetivar-se legalmente em três casos específicos: Intervenção Federal; Estado de Defesa;  Estado de Sítio.
 
Estabilidade institucional, ordem pública e paz social 

Os três casos que citamos acima estão definidos na parte da Constituição de 1988 que trata “Da defesa do Estado e Das Instituições Democráticas, Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio”. Essa parte consta no Título V, Capítulo I, Seções I e II do referido documento, que busca delinear as medidas para garantir a estabilidade institucional, mantenedora da ordem pública e da paz social no país. Na Seção I, temos o artigo 136 que define o Estado de Defesa:


Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.


Os conselhos destacados acima são formados pelos presidentes da Câmara e do Senado Federal, pelos líderes da maioria e da minoria da Câmara e do Senado Federal, pelo vice-presidente da República e pelo Ministro da Justiça. É a partir da concordância entre os membros desses conselhos que pode ocorrer intervenção militar circunstancial em algum município ou estado da federação. Esse tipo de intervenção é corretamente denominado de intervenção federal.


Para casos mais graves, a Constituição no capítulo I do Título V, na Seção II, trata do Estado de Sítio, cujas circunstâncias para seu decreto são definidas no artigo 137:


Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II - declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira.


Como se vê, o Estado de Sítio configura o recurso mais extremo que um regime democrático pode tomar, mas ainda sim permanece dentro dos dispositivos constitucionais previstos. A Constituição Federal de 1988, ainda dentro do Título V, em seu capítulo II, ressalta, após a definição dos Estados de Defesa e de Sítio, o que são e qual é o papel das Forças Armadas para que não fiquem sombras de dúvidas sobre o lugar delas no ambiente democrático:


Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanente e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

O caso de 1964: intervenção, revolução ou golpe?


Houve, nas últimas décadas do século XX, e ainda há muita discussão nas arenas política, jornalística e historiográfica a respeito de como qualificar os fatos transcorridos entre 31 de março e 9 de abril de 1964. O que ocorreu nesses dias foi uma intervenção militar constitucional? Seguramente, não. Duas frentes militares mobilizaram-se na madrugada de 31 de março: uma, no Rio de Janeiro, liderada pelo general Costa e Silva; e outra, em Juiz de Fora, Minas Gerais, liderada pelo general Olímpio Mourão Filho.

Nenhuma dessas movimentações amparava-se na Constituição de 1946, então vigente na época. Elas resultaram das convicções políticas e da percepção pessoal das circunstâncias pelas quais o Brasil passava naquela época. Não houve pedido formal por parte do Congresso Nacional, em 31 de março, para que os militares interviessem contra o presidente João Goulart – ainda que pudesse haver suspeitas de orquestração de um golpe de esquerda no Brasil.

O Congresso Nacional só se manifestou sobre as circunstâncias em 2 de abril, quando não se sabia se João Goulart estava no país ou se já havia optado pelo exílio, dadas as movimentações dos generais. Em 2 de abril, a cadeira da presidência da República foi declarada vaga pelos parlamentares, e Ranieri Mazzilli, presidente do Congresso, assumiu interinamente o posto de chefe de Estado.

O fato é que o Brasil vivia um impasse: o Congresso tinha a legitimidade constitucional para reorganizar a política no país, dada a vacuidade da cadeira do presidente. No entanto, o poder real não estava no Congresso, estava no chamado Comando Supremo Revolucionário, no Rio de Janeiro, liderado pelo General Costa e Silva, pelo Brigadeiro Francisco de Mello e pelo Almirante Augusto Rademaker. Foi esse Comando Supremo Revolucionário que passou a ditar as regras políticas, sobretudo a partir do Ato Institucional de 9 de abril de 1964, que ficou conhecido como AI-1.

Esse ato institucional, que teve participação do pensador autoritário Francisco Campos – o mesmo que redigiu a Constituição de 1937, que instituiu a ditadura do Estado Novo – vinha acompanhado de um preâmbulo que defendia o caráter revolucionário da ação dos militares naquela circunstância. Para tanto, apresentava o argumento de que havia legitimidade política naquelas ações, mesmo que não houve a aprovação direta do Congresso.

Além disso, o AI-I modificou os preceitos da própria Constituição de 1946 e impôs diretrizes a serem seguidas pelo Congresso. Era uma espécie de controle extraconstitucional da própria Constituição, como pode ser visto no trecho abaixo:

Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo, como nas suas dependências administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institucional.


Portanto, reforçamos: o que houve, em março e abril de 1964, não foi uma intervenção militar constitucionalmente prevista, mas uma ação motivada por convicções políticas dos próprios militares. Se tais convicções compuseram uma revolução ou um Golpe de Estado, é questão para debates que ainda vão atravessar décadas. Mas o fato é que as ações dos militares subverteram e subordinaram a Constituição e as instituições, como o Congresso Nacional, a um Comando Supremo Revolucionário por meio de um documento: o Ato Institucional de 9 de abril.
FERNANDES, Cláudio. "O que é intervenção militar?"; Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-intervencao-militar.htm>. Acesso em 28 de maio de 2018.

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