Estive em um lugar vazio de respeito, insolentemente ignóbil, desajustadamente cruel e violentador aos direitos mais humanos em uma medida mais indecorosa e ou ultrajante já experenciada. Imagino a realidade diária daquele lugar.
Por cinco horas me interagi com dores físicas, emocionais, psicológicas e espirituais de proporções desvairadas, e por incrível que pareça não senti a minha típica indignação. O meu inerente rompante gritador quando vivencio a injúria da irresponsabilidade secou, emudeceu-se, e literalmente fiquei sem voz na alma.
Dessa vez o meu IMPULSO REVOLUCIONÁRIO cedeu para meu coração e mente que abismadamente ficaram inquietos, com uma paralisia dos meus ideais. A impotência foi tamanha que “me vesti de branco” e me coloquei andar nos corredores daquele lugar como uma voluntária da vida. O que ocorreu é que meus sentidos aplainaram em torno da condolência em perceber “outros” sendo manuseados como “coisas”. A dimensão do ETHOS social havia tremido e caído sobre meus sonhos (será que ainda existem?). O Status Quo o qual imaginava gritava na minha consciência que quase ensurdeci meu SELF.
Com o indo vindo desesperador “de gente” e com os “nãos” para quem estava sentido dores, eu me condoía, retorcia, me acabava em dor equivalente, na minha alma.
Tive uma grande necessidade de socializar e auxiliar as “coisas” que gemiam. Em gesto impulsivo depois de horas de observação me entreguei à ação...
Hoje fui a um CAIS – CENTRO DE ATENDIMENTO INTEGRADO A SAÚDE de Goiânia (administração do poder público municipal) acompanhando uma pessoa necessitada de atendimento urgente...
Presenciei atendimentos e dispensas para pacientes com ataques cardíacos, estupro, espancamento, dengue hemorrágica, acidentados... com um nível de precariedade ultrajante.
Sem alardes, com ausência do meu espírito de vanguarda, com nudez de revolta, afirmo que palavras de qualquer idioma, dialeto se tornam signos, ícones, símbolos gráficos sem a menor noção de comunicabilidade para descrição do adultério imoral que se comete contra a vida humana nestes chamados CAIS.
A triagem nesse DITO CAIS é realizada pelo grau de avaliação de risco (atendimento prioritário para quem está na eminência de morte – nem todo mundo tem cara e sintomas de que tá morrendo)...
A EQUIPE MÉDICA era composta por algumas enfermeiras exaustas, indignadas e um único jovem médico clínico envolto de larga benemerência e competência, porém, também, indignado.
Em meio ao inusitado e covarde contexto não resisti ao meu ímpeto... E me propus ser voluntária (atendimento de profilaxia moral para os desalentados) enquanto era espremida pela dor ética e espiritual naquele lugar inóspito de respeito. Assim procedi enquanto aguardava um atendimento. Conversei com vários pacientes e ouvia suas queixas de dores... seu mal estar físico; me tornei “ponte” deles junto às bravas e cansadas enfermeiras e ao esbaforido “único médico” do recinto chamado de Centro Integrado de Saúde.
Eu acompanhava alguém que com extrema dor (acidentado) aguardava mais de 5 horas para realizar uma radiografia (a qual nada acusou...). Houve impossibilidade de o médico realizar uma leitura das radiografias / “chapas” que pudesse lhe proporcionar subsídios para um diagnóstico preciso. Eram aparelhos sucateados e técnicos sem formação para tal função. O médico nos disse: - ficarei mais tranquilo se encaminhar o paciente (o qual eu acompanhava) para outro setor de exames – uns 20 km de onde nos encontrávamos... E isso para que depois retornássemos, com os exames realizados, laudo em mãos para que, assim, ele pudesse realizar um diagnóstico mais preciso e prescrever o tratamento.
Enquanto vivia a estupidez da ingerência e negligência dezenas de CIDADÃOS foi dispensada... Dizia o atendente (que nada podia fazer senão seu pobre papel):
- não temos médicos hoje, só tem um Clínico... Se dirijam a outros CAIS.
Crianças desidratadas, mulheres com dores agudas, homens com crise de hipertensão, acidentados, cardíacos; enfim, Seres Humanos com acometimentos físicos diversos, saiam desalentados e feridos moralmente em busca de socorro sem rumo.
Quem eu acompanhava foi melhorando... Devido medicação e ações administradas em casa... E assim decidiu-se retornar para casa.
INCOMPETÊNCIA, INGERÊNCIA, DESCASO, INOPERÂNCIA DO PODER PÚBICO.
MINISTÉRIO PÚBLICO: SOCORRO!
Constituição Federal - CF - 1988/ Título VIII/ Da Ordem Social/Capítulo II
Da Seguridade Social/ Seção II/ Da Saúde
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Constituição Federal 1988. Constituição cidadã
ESPAÇO ACADÊMICO PROFESSORA JULIANE GOMIDE. "O conhecimento é e deve ser uma aquisição transferível de alma para alma, porém dela jamais poderá ser subtraido".
" A inquietude não deve ser negada, mas remetida para novos horizontes e se tornar nosso próprio horizonte."
Edgar Morin